25.4.05

Para os que pensavam que figuras histriônicas como Hebe Camargo, Vera Loyola Brandão, Chiquinho Scarpa e demais adjacências do mundo pop não tinham classificação, sinto muito frustrá-los, mas trago aqui o início de uma boa discussão.

Acho que o Daniel Piza faz uma boa reflexão sobre o termo e suas acepções. Também nos redimensiona em termos culturais e nos dá o indicativo de que a sociedade contemporânea está perdida entre o kitsch e o fake.

Acompanhem!


O kitsch, como fenômeno sociocultural, caracteriza-se pela rejeição a um processo de aprendizado e pela estética da redundância

Por Daniel Piza


Kitsch não é o mesmo que cafona ou brega, não é apenas uma coisa de mau gosto. Mais que um qualificativo estético, o kitsch é um fenômeno sociocultural. É aquilo que traduz um comportamento que se caracteriza por pretender ser o que não é, por querer aparentar qualidades que não são autênticas, que são emprestadas de forma tosca.

O exemplo famoso é o do pingüim sobre a geladeira. O pingüim está ali para reforçar a obviedade de que se trata de um compartimento gelado. É uma redundância que, além de desnecessária, tem a função de sugerir um mundo ao qual aquela pessoa não pertence, pois só conhece por fotos que lhe dão a idéia falsa de que existe ali mais graça do que realmente existe. É um enfeite enganador, uma simbologia ingênua.

O kitsch, em outras palavras, é também a pompa, o chique artificial, inorgânico, não assimilado por um processo gradual de aprendizado. O kitsch rejeita o estudo, a paciência, o realismo, o ritmo natural. Ele quer “queimar etapas” porque supõe que ser culto é fazer citações sem utilidade, freqüentar concertos sem conhecimento, usar roupas de grife que não combinam com seu corpo, viajar para lugares famosos e visitar os monumentos apenas para tirar fotos. É como Ronaldo, Daniela Cicarelli e seus convidados e penetras fazendo do castelo um barraco, interessados em estar em Chantilly, não em olhar as obras de arte, culinária e paisagismo que Chantilly oferece.

Como diz Milan Kundera, o kitsch é a ausência de ironia. É achar que ter “classe” é copiar um manual de signos sem dominar os valores correspondentes, à maneira das mulheres que imitam Audrey Hepburn e Jacqueline Kennedy – usando tailleur Chanel, pérolas, óculos escuros grandes – sem ter a elegância herdada e aprimorada por elas. Às vezes o look é exatamente aquele, tal como visto na revista de moda. Mas basta a moça começar a andar e falar para que a máscara caia; a falta de leveza e espirituosidade, atributos que só a genética, a educação e a vivência podem produzir, torna o conjunto ainda pior.

Como se vê, estamos rodeados de kitsch. Modelos que fazem poses de uma beleza sexy quase sobre-humana e têm a maturidade de uma colegial com meia três-quartos.

Kitsch, enfim, é tudo que é postiço, que quer aparentar o que não é. Em certas situações e etapas da vida, todos temos algo de kitsch, porque queremos possuir o que não possuímos. Isso pode ser até louvável: você só enriquece seu repertório se ambiciona enriquecê-lo. Mas o kitsch, em essência, é justamente a falsificação dessa ambição. Por falta de senso crítico, principalmente do autocrítico, e por não perceber os duplos sentidos da história e da natureza humana, o kitsch é de quem acha que ornamento vale mais que pensamento. É a troca da madeira pelo verniz.

(Leia mais na edição 52 da Revista Continente Multicultural).

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