Ontem resolvi me render ao apelo consumista e fui dar uma passeada para ver preços e bugigangas para o Natal.
Peguei a mama e a nona e nos mandamos para a Feira da Lua... uma negação.
Certo, certo. Uma explicação:
Temos aqui na Corte, regularmente, duas grandes feiras – a Bsb Mix e a Feira da Lua – que expõem toda a infinidade de badulaques: incensos, velas, chocolates, lingerie, roupas, bijuterias, perfumes, óculos, artesanato, sapatos...
Essas feiras já foram ó-te-mas, minhas amigas e meus amigos. Eram alternativas criativas e baratas para o caro e padronizado que se vende nos shoppings. Mas infelizmente, vingou o velho ditado da vovó que diz que “tudo que é bom dura pouco”.
Santa roubalheira, Batman! Tudo custa os “zóio” da cara e tudo muito idêntico ao “Shopiscentis”.
Para não ficar muito deprimida, comi uma cocada que pingava leite condensado – uma iguaria maravilhosa e de baixíssimo teor calórico – e fui me divertir na feira de filhotes.
Quando eu ganhar na mega (adicione esse outro desejo à minha listinha), vou ter tempo e dinheiro para comprar uma daquelas delícias de filhotes. Sim, porque R$ 2.000,00 por um cachorro é um acinte! Pode ser da linhagem da Lassie ou do Ritintin, môs fios! Com duas mil pilas eu pago as dívidas e ainda sobra pro vestido de Ano Novo.
Mas nem tudo estava perdido. Saí dali direto para a Livraria Nobel e fui capturada por isto aqui!

Peguei a mama e a nona e nos mandamos para a Feira da Lua... uma negação.
Certo, certo. Uma explicação:
Temos aqui na Corte, regularmente, duas grandes feiras – a Bsb Mix e a Feira da Lua – que expõem toda a infinidade de badulaques: incensos, velas, chocolates, lingerie, roupas, bijuterias, perfumes, óculos, artesanato, sapatos...
Essas feiras já foram ó-te-mas, minhas amigas e meus amigos. Eram alternativas criativas e baratas para o caro e padronizado que se vende nos shoppings. Mas infelizmente, vingou o velho ditado da vovó que diz que “tudo que é bom dura pouco”.
Santa roubalheira, Batman! Tudo custa os “zóio” da cara e tudo muito idêntico ao “Shopiscentis”.
Para não ficar muito deprimida, comi uma cocada que pingava leite condensado – uma iguaria maravilhosa e de baixíssimo teor calórico – e fui me divertir na feira de filhotes.
Quando eu ganhar na mega (adicione esse outro desejo à minha listinha), vou ter tempo e dinheiro para comprar uma daquelas delícias de filhotes. Sim, porque R$ 2.000,00 por um cachorro é um acinte! Pode ser da linhagem da Lassie ou do Ritintin, môs fios! Com duas mil pilas eu pago as dívidas e ainda sobra pro vestido de Ano Novo.
Mas nem tudo estava perdido. Saí dali direto para a Livraria Nobel e fui capturada por isto aqui!

Crônicas - José Carlos Oliveira
Meus olhos brilharam, uma lagriminha quis estragar meu rímel, fiquei toda arrepiada.
Sim, eu sou desse tipo de leitor abestalhado... antes de comprar um livro, eu cheiro as páginas, aliso a capa, vou xeretar a orelha, cumpro os meus rituais.
Fiquei em transe por um tempo, lembrando do Antônio Callado e de sua literatura poderosa e refinada.
Quem não leu Bar Don Juan? Quem não se emocionou com sua aura boêmia, apesar da atmosfera de medo e suspeição durante as décadas de 60 e 70?
Lembrei de tudo que não vivi e tive saudades, meu povo, muitas saudades...
Saudades do “meu maestro soberano, Antônio Brasileiro”, das conversas despretensiosas entre Vinícius, Chico, Toquinho e que deram origem a canções imortalizadas; dos encontros desconfiados da juventude que tramava a revolução armada; das mulheres bonitas que desfilavam e inspiravam os poetas; dos porra-loucas; de um Rio de Janeiro que ainda permitia noitadas nas calçadas entre Ipanema e Leblon; da nossa história contada fora dos manuais de História; pela presença de Glauber, Di Cavalcanti, Jabor, Rubem Braga, Millor...
Lembrei de uma crônica antiga do Jabor que me tocara fundo, fazendo-me abrir o maior berreiro:
“A porta se abre e vejo lá dentro meus amigos todos, um bando de malucos jovens misturados com velhos geniais. Entre os doidos como eu, Ruy Solberg, Cacá Diegues, Glauber, estavam homens como Di Cavalcanti, Sergio Buarque de Holanda, Rubem Braga, Vinicius, Tom, Lucio Rangel, Millor, tantos... O Antonio’s está em grande noite... O chefe Zelito me recebe, em seu eterno paletó azul, junto com o vice-maître Serafim, que parecia mesmo um anjinho, gordo e pequenino, que aliás já está no céu... Chego ao balcão do Milton, o barman, e faço a piada costumeira: 'Milton... tem leite desnatado? Não? Ahh... então me dá um uísque mesmo...'
A meu lado, está o cineasta Miguelzinho Faria, meio na fossa. Naquela época, ficar 'na fossa', deprimido, era chique; hoje, não é mais comercial — temos de ostentar um sorriso, sem o qual nada valemos. Pergunto ao Miguelzinho intemporal: 'Por que o Antonio's foi o bar perfeito?' E ele: 'O Antonio's era um bar com 'projeto', porque tínhamos uma utopia revolucionária. O Antonio's era o 'aparelho' da esquerda festiva; tudo tinha um levíssimo sabor político. Em plena repressão, nos achávamos donos do mundo. Nossa 'revolução' era poesia pura. Não visava uma tomada do poder político, coisa chata; era uma tomada da vida, para mudar tudo. Como dizia Rimbaud: 'Il faut changer la vie''... Dito isso, Miguelzinho Faria re-mergulhou no copo de uísque.
A meu lado, materializa-se o Roniquito, reformador de costumes, de porre, e agrega: 'Não é nada disso; o Antonio's era a delícia da ilusão. Vivíamos na plena bosta da ditadura mas o Antonio's ainda era um bar modernista, na fronteira da pós-modernidade....' (Reparo que transparentes asas saem de suas costas). Então, Roniquito vira-se para um escritor ao lado e dispara: 'Você já ouviu falar de William Faulkner?' O outro: 'Claro'. E ele: 'Então você é um babaca mesmo...'
De repente, explode uma briga no fundo. Quase aos tapas, Rubem Braga e Di Cavalcanti discutem. Rubem entendia de pintura e, também de porre, sacaneava as mulatas de Di. 'Você comeu aquela gorda?' E Di: 'Vai pra p... q... p..., seu cronistinha de merda!' Dali a pouco, os dois se uniam pra esculhambar um paulista arrivista que se meteu na briga.
Olho o Antonio’s em meu delírio. Todos parecem boiar no espaço-tempo. Como ficou remoto o tempo presente: Ciro, Serra, Lula, Elias Maluco, Espírito Santo, 'risco Brasil', tudo tão longe... Milton me dá um uísque, com sua mão iluminada, seu pálido sorriso. Tom Jobim me murmura ao lado: 'Pede Old Parr — parece ouro líquido...'. Vinicius concorda, virando o copo”...
Acordo do transe ao ouvir minha vó me chamando. Limpo rapidamente os olhos e recoloco o livro na estante com a promessa de que em breve, muito breve, volto para buscá-lo.
Meus olhos brilharam, uma lagriminha quis estragar meu rímel, fiquei toda arrepiada.
Sim, eu sou desse tipo de leitor abestalhado... antes de comprar um livro, eu cheiro as páginas, aliso a capa, vou xeretar a orelha, cumpro os meus rituais.
Fiquei em transe por um tempo, lembrando do Antônio Callado e de sua literatura poderosa e refinada.
Quem não leu Bar Don Juan? Quem não se emocionou com sua aura boêmia, apesar da atmosfera de medo e suspeição durante as décadas de 60 e 70?
Lembrei de tudo que não vivi e tive saudades, meu povo, muitas saudades...
Saudades do “meu maestro soberano, Antônio Brasileiro”, das conversas despretensiosas entre Vinícius, Chico, Toquinho e que deram origem a canções imortalizadas; dos encontros desconfiados da juventude que tramava a revolução armada; das mulheres bonitas que desfilavam e inspiravam os poetas; dos porra-loucas; de um Rio de Janeiro que ainda permitia noitadas nas calçadas entre Ipanema e Leblon; da nossa história contada fora dos manuais de História; pela presença de Glauber, Di Cavalcanti, Jabor, Rubem Braga, Millor...
Lembrei de uma crônica antiga do Jabor que me tocara fundo, fazendo-me abrir o maior berreiro:
“A porta se abre e vejo lá dentro meus amigos todos, um bando de malucos jovens misturados com velhos geniais. Entre os doidos como eu, Ruy Solberg, Cacá Diegues, Glauber, estavam homens como Di Cavalcanti, Sergio Buarque de Holanda, Rubem Braga, Vinicius, Tom, Lucio Rangel, Millor, tantos... O Antonio’s está em grande noite... O chefe Zelito me recebe, em seu eterno paletó azul, junto com o vice-maître Serafim, que parecia mesmo um anjinho, gordo e pequenino, que aliás já está no céu... Chego ao balcão do Milton, o barman, e faço a piada costumeira: 'Milton... tem leite desnatado? Não? Ahh... então me dá um uísque mesmo...'
A meu lado, está o cineasta Miguelzinho Faria, meio na fossa. Naquela época, ficar 'na fossa', deprimido, era chique; hoje, não é mais comercial — temos de ostentar um sorriso, sem o qual nada valemos. Pergunto ao Miguelzinho intemporal: 'Por que o Antonio's foi o bar perfeito?' E ele: 'O Antonio's era um bar com 'projeto', porque tínhamos uma utopia revolucionária. O Antonio's era o 'aparelho' da esquerda festiva; tudo tinha um levíssimo sabor político. Em plena repressão, nos achávamos donos do mundo. Nossa 'revolução' era poesia pura. Não visava uma tomada do poder político, coisa chata; era uma tomada da vida, para mudar tudo. Como dizia Rimbaud: 'Il faut changer la vie''... Dito isso, Miguelzinho Faria re-mergulhou no copo de uísque.
A meu lado, materializa-se o Roniquito, reformador de costumes, de porre, e agrega: 'Não é nada disso; o Antonio's era a delícia da ilusão. Vivíamos na plena bosta da ditadura mas o Antonio's ainda era um bar modernista, na fronteira da pós-modernidade....' (Reparo que transparentes asas saem de suas costas). Então, Roniquito vira-se para um escritor ao lado e dispara: 'Você já ouviu falar de William Faulkner?' O outro: 'Claro'. E ele: 'Então você é um babaca mesmo...'
De repente, explode uma briga no fundo. Quase aos tapas, Rubem Braga e Di Cavalcanti discutem. Rubem entendia de pintura e, também de porre, sacaneava as mulatas de Di. 'Você comeu aquela gorda?' E Di: 'Vai pra p... q... p..., seu cronistinha de merda!' Dali a pouco, os dois se uniam pra esculhambar um paulista arrivista que se meteu na briga.
Olho o Antonio’s em meu delírio. Todos parecem boiar no espaço-tempo. Como ficou remoto o tempo presente: Ciro, Serra, Lula, Elias Maluco, Espírito Santo, 'risco Brasil', tudo tão longe... Milton me dá um uísque, com sua mão iluminada, seu pálido sorriso. Tom Jobim me murmura ao lado: 'Pede Old Parr — parece ouro líquido...'. Vinicius concorda, virando o copo”...
Acordo do transe ao ouvir minha vó me chamando. Limpo rapidamente os olhos e recoloco o livro na estante com a promessa de que em breve, muito breve, volto para buscá-lo.
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