Resolvi transcrever na íntegra a matéria que li hoje na internet. Ela recordou-me o filme Moça com brinco de pérola, além de inúmeros romances do século XIX que retratam uma sociedade aristocrata ou burguesa cheia de impedimentos, segredos e falsa moral cristã, mas devo confessar que o que mais me chamou a atenção foi esta fala de Bernadellli Curuz:
"Pelo menos até o século 18, o lado alegórico da pintura era extremamente importante. Foi o Impressionismo que reduziu nossa capacidade de ler um quadro como se fosse um livro."
Minha paixão pela literatura não deixou essa observação passar simplesmente. Isso mostra o quanto o discurso a respeito da fronteira que separa ficção do real é frágil.
Pode ser que para a época essa história fosse corriqueira, quiçá um mexerico, uma maledicência folclórica, mas ao ler a matéria hoje, se eu não soubesse que Rafael de fato existiu, diria que toda a história seria um belo romance de costumes.
Besos,
Pérola em quadro revela amor secreto de Rafael
Por Clara Ferreira-Marques
MILÃO (Reuters) - Um pequeno broche de pérola parece um detalhe inofensivo no enigmático retrato "Fornarina", do pintor renascentista Rafael, mas, segundo um grupo de historiadores, ele revela um escandaloso romance que passou séculos oculto.
De acordo com uma pesquisa publicada em maio, a pérola, presa a um elaborado turbante, é parte de uma rede de alusões ao casamento clandestino do artista com sua bela modelo, filha de um padeiro – apesar do noivado muito público entre Rafael e a sobrinha de um poderoso cardeal do Vaticano. Oficialmente, Rafael morreu solteiro, aos 37 anos.
"Era um romance impossível", disse Maurizio Bernardelli Curuz, editor da revista especializada Stile, que comandou um ano de pesquisas sobre o mistério amoroso de Rafael.
"É difícil subestimar o status de Rafael em Roma – ele era um superstar. A distância que os separava era como a que hoje separaria George Clooney de sua faxineira", disse ele.
A pérola, que também aparece no quadro "Velata", sugere que a modelo era Margherita (pérola, em latim), e não Maria Bibbiena, a noiva oficial do artista.
Vários elementos da "Fornarina" aludem ao casamento, como uma faixa no braço da modelo em que aparece o nome de Rafael – uma forma inusual de assinar uma tela – e uma aliança na mão dela, depois coberta por preocupados pupilos do pintor.
"Isso tudo pode nos parecer artificial, mas eram jogos diários nas cortes da Renascença", disse Bernardelli Curuz.
"Pelo menos até o século 18, o lado alegórico da pintura era extremamente importante. Foi o Impressionismo que reduziu nossa capacidade de ler um quadro como se fosse um livro."
O historiador afirmou ter encontrado evidências sobre as alegorias em documentos contemporâneos e em raios-X da "Fornarina", feitos durante uma recente restauração. "É claro que não se trata só da pérola, não só dos documentos. A absoluta certeza advém da forma como tudo se encaixa", explica ele. "Mas a pérola foi o que nos deu a dica - estaríamos forçando a alegoria se fosse ao contrário."
AMOR MÍTICO
A idéia de que Margherita fosse amante de Rafael não é nova. Inspirado no sorriso tímido da "Fornarina", Jean-Auguste-Dominique Ingres pintou, no século 19, a musa sentada sobre os joelhos do artista. Um século depois, Picasso retratou os encontros do casal em uma série de desenhos explícitos. O romancista Honoré de Balzac mencionou os dois amantes.
Mas Bernardelli Curuz e sua equipe foram além do mito, recuperando os vários símbolos e descobrindo documentos para provar que os dois se casaram em uma cerimônia secreta, o que era relativamente comum na época.
Eles também conseguiram provar que a modelo da "Fornarina" é a mesma da "Velata". Com a ajuda de computadores, eles transferiram o rosto de uma tela para a outra e viram que há mais do que uma coincidente semelhança.
E, segundo Bernardelli Curuz, Margherita também pode ser encontrada em outras obras de Rafael, como no afresco "Escola de Atenas", que está nas paredes de um palácio de Roma, hoje parte do Museu do Vaticano.
Nesse afresco, nenhum personagem dirige o olhar para o espectador - exceto Rafael e Margherita, que miram desafiadoramente.
Mas, apesar dessas "dicas", a existência de Margherita sempre foi cercada de mistério, seja por Rafael, seja por seus alunos.
A recente restauração da "Fornarina" mostrou que os desenhos iniciais foram esboçados rapidamente e talvez ao vivo -- mais uma indicação das relações do pintor com sua musa.
A figura desse esboço, coberta por um véu, está diante de árvores de marmelo e murta, símbolos da fertilidade e da fidelidade, e usa uma aliança na mão esquerda. Mas a versão final da tela, completada de forma desajeitada após a morte de Rafael, cobriu os arbustos e a indiscreta aliança.
"Na época da sua morte, a escola de Rafael estava pintando a Sala di Constantino, no Vaticano, e queria a todo custo evitar a perda da encomenda. Isso significaria a falência", afirmou Bernardelli Curuz.
"Ele havia deixado a 'Fornarina' inacabada, e os alunos começaram a se preocupar com a paisagem, o anel, qualquer coisa que pudesse indicar casamento."
Michelangelo, maior rival de Rafael, estava pressionando o Vaticano para ficar com a encomenda.
Para silenciar os rumores, os alunos de Rafael colocaram uma placa no seu túmulo em memória da sua eterna noiva, Maria Bibbiena, como para unir ambos após a morte.
Já Margherita foi mandada embora. Quatro meses depois da morte de Rafael, o convento de Sant'Apollonia, no bairro romano do Trastevere, registrou a chegada da "viúva Margherita", filha de um padeiro de Siena.


La Donna Velata e Fornarina
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