15.8.05

Quebrando o jejum

Sim, resolvi mudar o rumo da prosa.
Estou cheia de falar e tentar entender o atual quadro político do Brasil, além do mais, todo esse esforço é deveras brochante.
Estou há muitos dias sem postar nada porque entrei numa trip doida, sem ânimo para falar do cotidiano pequeno burguês que me cerca.
Quer saber? Dane-se a política! Por hora, pelo menos.

Hoje eu vou falar do meu umbigo, das minhas crises, dos meus medos e encantamentos.

Há mais de uma semana eu ando angustiada com meus problemas pessoais, fico zanzando de cá pra lá feito barata, uma inquietude toma conta e eu não sei esperar. Pior, eu não gosto de esperar. Esperar é deixar os ânimos se acalmarem e depois dizer: deixa pra lá e lá vai a sujeira pra baixo do tapete. Eu gosto mesmo é de veia pulsando, sangue correndo, vida fluindo.

Eu sou dos excessos, sou toda excesso. Eu não sei ser comedida. Não sei amar pouco - nem sofrer; não sei ser só um pouco amiga; não entendo o que significa ser meio engajada; não entendo quem toma chuva e não se molha; nunca compreendi como algumas mulheres conseguem sair na ventania e manter o cabelo impecável; eu fico abismada com nego que dá uma topada e não xinga. Talvez eu precise de mais trinta e quatro anos para entender a Teoria do Quase ou do Tanto Faz.

Toda vez que eu estanco nestas questões eu sempre, invariavelmente, lembro do Machadão no seu grandiloquente Memorial de Ayres.
O casal que todos admiram é tudo de mais abominável. Eles não brigam, eles não se desentendem, eles não soltam farpas, eles não se enxergam, eles não se importam um com o outro, eles simplesmente não se amam. São apenas hóspedes habitando o mesmo teto, estranhos que aprenderam a dormir na mesma cama.
Gosto da maneira cortante que o Machado tem de falar das hipocrisias. Ele grita impropérios a plenos pulmões sem que o leitor veja o barraco explodindo, contudo é impossível não notar os escombros e cheiro de fumaça no ar.

Tô falando muito, né? Estão entendendo alguma coisa? Se não estão, sejam pacientes comigo. É que escrever sempre me deu esse alento, sempre foi essa coisa vital de transbordar pedaços de inteirezas.

A crise do país esbarrou na minha própria: sinergia? Sei lá...

Andei me aconselhando com um amigo de longa data, que tem acompanhado o meu crescimento desde os tenros anos de infância. Ele sabe a bomba que sou. Sabe das minhas fomes, do meu envolvimento com a vida... temos conversado muito e ontem ele me mandou um e-mail profundo como só ele sabe ser. Começava assim:

“às vezes temos que acreditar, não naquilo que queremos ter, mas naquilo que nos resta”.

Em outra época, ler ou ouvir isso me irritaria até as profundezas da alma, soaria como derrotismo ou passividade, hoje, faz um sentido absurdo... é bom envelhecer. É maravilhoso poder, ser capaz de se colocar no lugar de e tentar ver as coisas com olhos outros, é tranqüilizador ter alguma serenidade para ouvir sem ter que empunhar a espada e começa uma luta de idéias como se a integridade estivesse sofrendo ameaças... é bom envelhecer.

E isso não contradiz o fato de eu ser toda excesso, apenas colabora para eu acreditar que “para ser grande, sê inteiro.”

O que ele disse fez mais sentido ainda porque vi neste fim de semana dois filmes que há tempos estão no meu caderninho de promessas, na lista de coisas a fazer.

Comecei pelo brutal Tudo sobre minha mãe. Esse submundo que a linguagem cinematográfica de Almodóvar criou é de arrasar. A sensação que tenho é a de estar mastigando cacos de vidro. Depois fui para O Pianista, do Polanski.

Esses filmes deram real dimensão para as palavras do meu amigo... eu havia pensado exatamente isso sem ter externalizado com palavras, aí, hoje pela manhã abro o meu e-mail e leio - vejo expresso em palavras - exatamente o que eu senti.

Ver aquele homem destruído pela guerra, impossibilitado de acreditar nas coisas que mais desejara foi me dando claustrofobia. Num segundo momento foi que percebi que ele só não foi tomado pela insanidade porque foi capaz de acreditar no que lhe restara e que não era muito.

Essa capacidade de redenção que é uma epifania dos sentidos me trouxe de volta à luz.

O e-mail continuava assim:

“É por aí que aprenderemos a construir uma vida e um ideal de muito esforço e sacrifício. Mas que no fim celebraremos a alegria de uma vitória até então não acreditada. O que vale é a teimosia de jamais desistir. Por mais que a sorte nos tire, sempre haverá algo com o qual possamos continuar a lutar e a crescer.”

Apesar do desânimo geral acarretado pela má conduta política, e apesar das dificuldades que eu e meu umbigo estamos envolvidos, continuo acreditando ser possível sonhar com o que há de divino nas flores, na música e nas mães.

É por isso que ainda escrevo.

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